quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Desinformar, tem que haver uma vantagem...

Um decreto assinado pelo governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, no dia 2 de janeiro, suspendendo - na prática adiando - o pagamento de compromissos financeiros contraídos no governo Tarso Genro, serviu de motivo para que concursados, devidamente organizados por um sindicato, realizassem manifestação com vistas a fazer o governo rever a decisão. Ocorre que, além do "restos a pagar", o decreto também estabelece/suspende outras situações de despesa, algumas vindouras, entre as quais, novos concursos e a nomeação de concursados aprovados.

Meu foco, contudo, não é em si o decreto, mas sim sua repercussão numa determinada emissora de tv. O apresentador de um programa da rede Record, dia 6 de janeiro, referiu-se à medida de suspender a contratação de novos servidores, como "O GOVERNADOR ESTÁ DANDO CALOTE NOS CONCURSADOS".. (?).. Ele não disse isso uma vez... mas diversas, ficava repetindo.. e não em tom jocoso, único possível para uma tal afirmação. Não, o tom era de muita indignação. Muita. Como se se tratasse de um abuso sem limites.. um crime em sentido legal mesmo, e já considerando a falta que os servidores não contratados fariam... etc.

Não bastasse isso, uma repórter do programa entrevistando os concursados da manifestação, reforçou a pérola do absurdo que um concursado manifestante gaguejou... "Nós, neste primeiro período, nem
seríamos contratados.. Seria apenas a formação, quer dizer não haveria despesa... seria só o curso.." Ela o ajudou porque nem ele conseguia dizer tamanho era o absurdo.. A repórter não só o ajudou, quanto depois repetiu ela mesma a pérola. Cheia de ênfase... Nem sequer se preocupou de retocar pra não passar tanta vergonha.. 


Me pergunto: com que objetivo a população é tratada com tamanho descaso.. porque se não for descaso é um proposital interesse em desinformar. O que mais chama a atenção no procedimento, contudo, é que até o menos informado dos telespectadores sabe que a formação proveniente do concurso dá despesa sim, implica por si só um tipo de contrato e, na menor das hipóteses, implica necessariamente a efetivação de um determinado número de participantes, ao final do curso.. Repito, o menos informado dos telespectadores sabe disso.. Assim, desinformar? Bem, isso poderia pegar o telespectador num primeiro momento, por pressa, por não prestar muita atenção, mas em seguida perceberia o logro.. Riria. Então, o que leva um jornalista a se prestar a um tal papel?

A reportagem poderia ser feita com muito mais brilho explorando todas as possibilidades, todos os aspectos VERDADEIROS da situação, que é rica em abordagens; afinal, quem não quer o emprego ou o cargo pelo qual se esforçou...? Quem não quer esse emprego que é certamente melhor que o atual e por isso foi buscado. Ou que talvez seja o único.. O quanto isso em si já serve de crítica a um governo que está impedindo o acesso a esse bem.. e quantas outras críticas verdadeiras podem ser feitas a partir disso.. 

Então, porque não fazer essa reportagem interessante, carregada de afetos importantes, com críticas, reivindicações, explicações, lamentos.. verdadeiros. Uma única coisa me ocorre e não é boa. A crítica verdadeira eximiria o governo atual da carga negativa e mesmo pejorativa a que era associado na reportagem, além disso, atingiria e, aí sim, negativamente, a gestão anterior. Não vou nem discutir o significado da palavra  calote pra não deixar o texto muito extenso, mas não há como não lembrar que é sempre pejorativo.

Então, se desinformar diretamente a respeito do fato, não era uma opção (população já informada); se descaso, considerado que o trabalho que deu foi tão grande quanto o que daria uma boa reportagem, também não, então qual o objetivo? Bem, a desinformação  aqui, parecia estar voltada a mascarar a desinformação principal e que devia ser tão importante executar, a ponto de levar um jornalista a aceitar desempenhar o papel...

É notório que a reportagem ouviu um lado só... mas isso até pode ser desculpado, considerado que não se tratava de uma opinião ou boato, mas de um fato, no caso, um decreto governamental.
Contudo, mesmo que focado pelo lado da manifestação, - como se aí também não fosse o decreto, o principal, já que lhe dava causa -, mesmo assim, em nenhum momento foi considerado sequer cogitar o motivo de um tal decreto para no mínimo contextualizar sua existência.. ou saciar a curiosidade que naturalmente acompanha uma tal notícia... princípio básico do jornalismo - Por quê? Ah... aí sim parece que começa a se descortinar a real desinformação almejada. Salta aos olhos que nada podia ser, ou foi, dito a respeito da situação lamentável das finanças do Estado. Sem essa informação o que se poderia pensar a respeito da administração que encaminha um tal decreto? Nada.. ou que é uma administração de sádicos ou.. ah.. caloteiro. Alguém que não paga contas.

É importante notar que o significado não se relaciona com o sentido da situação em si.. mas repetido e repetido... passa. Além disso se relaciona com uma parte do estabelecido no projeto, embora seja uma situação programada, exatamente, para funcionar como o oposto de um calote, já que tem como objetivo conseguir, de verdade, pagar as contas.. Nesse sentido, envidar todos os esforços para não assumir novas despesas é o mínimo que o bom senso requer. Isso, sem maiores problemas explicaria o inexplicado - não inexplicável - apenas inexplicado: o porquê de um tal decreto ter sido encaminhado. Mas.. porquês levam a outros porquês, a dúvidas.. e então não só a palavra caloteiro para a administração atual não seria adequado, quanto teria sido necessário adjetivar a administração anterior.. 

Por mais que se tente respeitar o trabalho de quem se lança a representar a narrativa da vida de todos nós, um trabalho nada fácil; mesmo sem a cobrança estúpida da isenção (impossível) do jornalista, ainda assim, existe bom jornalismo.. e existe o que sequer é jornalismo. 

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